sexta-feira, 18 de outubro de 2013

PRONUNCIAR



Confiar significados
Ao frágil sopro
lançado ao ar,
onda que se distancia ...

Dele nada ficará 
O que deles?

Ditas ao vento
Palavras benditas
(para serem ouvidas)
Sussurradas à brisa
Palavras possuídas
(para serem guardadas)
Urradas  ao vendaval
(palavras inúteis).

Versinho de Cordel



                                sem nenhuma cordialidade





Japacanim, barriga vermelha,
Corre dele meu irmão,
Guarda as galinhas e os pintos.
Que ele é um gavião.

Foge logo passarinho
Que ele vem com fome:
Tem olhar de  home
Cercando leitão.

Tem um bico encurvado
No lugar da dentadura
Até parece capitão
No tempo da ditadura.

E  a unha arreganhada
Para zás-trás
cravar na lombada
do pombo da paz. 




Poeminha à Leminski




Tudo restou enevoado:
Doído açoite no olho.

                   Um  cisco da noite,
                   Poeira de estrela?

Ou um piolho da horta
faísca  viva de repolho?

No sonho doido do poeta
Crava o inseto uma seta.

                   Mortes na hora extrema:
                   Da via láctea do poema
                   E do bicho transviado.

QUANDO EU MORRER




                                                   Com saudações ao poeta Glauco Mattoso

            Um defunto horrendo.
            Bem do fundo brota vida:
            vermes se mexendo.
              (haicai de 1986)
Quando eu morrer
não me cremem,  poluente desperdício.
Nem  me embalsamem,
pois
não  tenho vocação para embutidos.

Quando eu morrer,
por doze horas, pelo menos,
- tempo que parece suficiente -
coloquem meu corpo inanimado em  vinha-d´alho.

Não, não estou sugerindo atos póstumos de canibalismo...
E muito menos  propondo  ritual  algum
de asquerosa  provadura ....

Proponho apenas,   para meu próprio regozijo,
que antes da fedentina  das flores do caixão,
antes do sapato preto apertar-me os pés,
antes  do terno escuro,
da  camisa branca  e da gravata  mal laçada,
como sempre,  
no colarinho torto e indecente,  
antes,  enfim,  que eu  pareça e cheire ao  defunto que serei
nas pompas funéreas de costume,

Esteja eu  exalando os temperos
que, em vida,  estimularam-me o apetite:
o alecrim, cravo da índia, a cebola,  o alho,
o vinagre do bom vinho sobejado de um rega-bofe antigo,
posto para azedar lentamente com manjericão, tomilho pimentas grandes.
Quem sabe seja aceitável completar,  ainda,
com pitadas de sal e açúcar e um fio de azeite
dos  mais puros das olivas  maduras de além mar...

  não precisam perfurar-me a garfo,
logo aviso,
pois  que o tempo do repouso sugerido,
ao meu viso,
será bastante para o efeito desejado.

Sei que serei, depois,  repasto supimpa e perfumado,
se é  que tanto seja percebido pelos vermes que chegarem...
Mas não o serei de qualquer forma, 
ainda  que insípido e inodoro?

Se me servi com requintes
nesta vida  amável e regalada ,
que,  ao menos,  o  meu corpo abandonado,
ao voltar  por fim à natureza plena,
cheire prato saboroso posto a mesa
- sem ressaibo algum por tal retorno inevitável.