Com
saudações ao poeta Glauco Mattoso
Um defunto horrendo.
Bem do fundo brota vida:
vermes se mexendo.
(haicai de 1986)
Quando eu morrer
não me cremem, poluente
desperdício.
Nem me embalsamem,
pois
não tenho vocação
para embutidos.
Quando eu morrer,
por doze horas, pelo menos,
- tempo que parece suficiente -
coloquem meu corpo inanimado em vinha-d´alho.
Não, não estou sugerindo atos póstumos de canibalismo...
E muito menos propondo ritual
algum
de asquerosa provadura
....
Proponho apenas, para meu próprio regozijo,
que antes da fedentina das flores do caixão,
antes do sapato preto apertar-me os pés,
antes do terno escuro,
da camisa branca e da gravata mal laçada,
como sempre,
no colarinho torto e indecente,
antes, enfim, que eu pareça e cheire ao defunto que serei
nas pompas funéreas de costume,
Esteja eu exalando os
temperos
que, em vida,
estimularam-me o apetite:
o alecrim, cravo da índia, a cebola, o alho,
o vinagre do bom vinho sobejado de um rega-bofe antigo,
posto para azedar lentamente com manjericão, tomilho e pimentas grandes.
Quem sabe seja aceitável completar, ainda,
com pitadas de sal e açúcar e um fio de azeite
dos mais puros das olivas maduras de além mar...
Só não precisam
perfurar-me a garfo,
logo aviso,
pois que o tempo do
repouso sugerido,
ao meu viso,
será bastante para o efeito desejado.
Sei que serei, depois,
repasto supimpa e perfumado,
se é que tanto seja
percebido pelos vermes que chegarem...
Mas não o serei de qualquer forma,
ainda que insípido e inodoro?
Se me servi com requintes
nesta vida amável e regalada
,
que, ao menos, o meu
corpo abandonado,
ao voltar por fim à
natureza plena,
cheire prato saboroso posto a mesa
- sem ressaibo algum por tal retorno inevitável.
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