segunda-feira, 18 de novembro de 2013

HOUVE UM CÓRREGO



A água brotava nas pedras, quem diria.
E fugia  cercada de matinhos.

Quem matou?

Aqui houve um córrego, nascia lá naquele morro.
Agora há um tubo.

Quem morreu?

Um tubo de cimento.
Cimentério do rio morto, nem mesmo dorme.

Não há céu de rio morto.
O céu dos rios verte álgrimas de rio,
mas só de rio vivo.
As pedras guardam os sorrisos que voltam, quem diria?

Os pássaros estão no viveiro,
As pedras estão nas pedreiras,
O rio debaixo da terra.

Quem vive?

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

PRONUNCIAR



Confiar significados
Ao frágil sopro
lançado ao ar,
onda que se distancia ...

Dele nada ficará 
O que deles?

Ditas ao vento
Palavras benditas
(para serem ouvidas)
Sussurradas à brisa
Palavras possuídas
(para serem guardadas)
Urradas  ao vendaval
(palavras inúteis).

Versinho de Cordel



                                sem nenhuma cordialidade





Japacanim, barriga vermelha,
Corre dele meu irmão,
Guarda as galinhas e os pintos.
Que ele é um gavião.

Foge logo passarinho
Que ele vem com fome:
Tem olhar de  home
Cercando leitão.

Tem um bico encurvado
No lugar da dentadura
Até parece capitão
No tempo da ditadura.

E  a unha arreganhada
Para zás-trás
cravar na lombada
do pombo da paz. 




Poeminha à Leminski




Tudo restou enevoado:
Doído açoite no olho.

                   Um  cisco da noite,
                   Poeira de estrela?

Ou um piolho da horta
faísca  viva de repolho?

No sonho doido do poeta
Crava o inseto uma seta.

                   Mortes na hora extrema:
                   Da via láctea do poema
                   E do bicho transviado.

QUANDO EU MORRER




                                                   Com saudações ao poeta Glauco Mattoso

            Um defunto horrendo.
            Bem do fundo brota vida:
            vermes se mexendo.
              (haicai de 1986)
Quando eu morrer
não me cremem,  poluente desperdício.
Nem  me embalsamem,
pois
não  tenho vocação para embutidos.

Quando eu morrer,
por doze horas, pelo menos,
- tempo que parece suficiente -
coloquem meu corpo inanimado em  vinha-d´alho.

Não, não estou sugerindo atos póstumos de canibalismo...
E muito menos  propondo  ritual  algum
de asquerosa  provadura ....

Proponho apenas,   para meu próprio regozijo,
que antes da fedentina  das flores do caixão,
antes do sapato preto apertar-me os pés,
antes  do terno escuro,
da  camisa branca  e da gravata  mal laçada,
como sempre,  
no colarinho torto e indecente,  
antes,  enfim,  que eu  pareça e cheire ao  defunto que serei
nas pompas funéreas de costume,

Esteja eu  exalando os temperos
que, em vida,  estimularam-me o apetite:
o alecrim, cravo da índia, a cebola,  o alho,
o vinagre do bom vinho sobejado de um rega-bofe antigo,
posto para azedar lentamente com manjericão, tomilho pimentas grandes.
Quem sabe seja aceitável completar,  ainda,
com pitadas de sal e açúcar e um fio de azeite
dos  mais puros das olivas  maduras de além mar...

  não precisam perfurar-me a garfo,
logo aviso,
pois  que o tempo do repouso sugerido,
ao meu viso,
será bastante para o efeito desejado.

Sei que serei, depois,  repasto supimpa e perfumado,
se é  que tanto seja percebido pelos vermes que chegarem...
Mas não o serei de qualquer forma, 
ainda  que insípido e inodoro?

Se me servi com requintes
nesta vida  amável e regalada ,
que,  ao menos,  o  meu corpo abandonado,
ao voltar  por fim à natureza plena,
cheire prato saboroso posto a mesa
- sem ressaibo algum por tal retorno inevitável.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Navegar é preciso



Dentro de mim tenho um lago (profundo).
E fora um oceano (que não é meu).
Vastidão  desconhecida  (no oceano),
Sabidos  mistérios  (no lago).
Qual a maior aventura? (aventurar em qual deles? )
Vamos sem barco (a braçadas).
É preciso mergulhar (haja fôlego)
Para encontrar o caminho que une
O fundo dos mares e dos lagos.

Dia e Noite




O homem que dorme
sob um  cobertor
ao sol
invernal desta calçada,
com que sonhará?

Sua existência é apenas
a  sucessão das horas.

A memória do dia
não é
a memória do sonho.
Mas o dia
pode ser  tão aflitivo
quanto o pesadelo
do insone
que de olhos abertos
dorme em sua imobilidade.